
FLORESTAS
O desmatamento é o primeiro tópico a ser abordado quando o assunto é sustentabilidade, ainda mais no Brasil. O território brasileiro abriga a maior e mais importante floresta tropical do planeta, porém não parece compreender ou valorizar a importância da Amazônia. Tal fato é demonstrado pelos números de devastação e exploração do bioma, o qual já perdeu cerca de 20% de sua vegetação original.
Entre os outros biomas brasileiros, a situação também não é nada otimista. Após atingirem recordes históricos de desmatamento em 2019, primeiro ano em que o país esteve sob o comando de Jair Bolsonaro (sem partido), os índices foram ainda piores diante da pandemia, em 2020. Os motivos para essa intensificação da devastação ambiental podem ser bem resumidos por uma única frase proferida pelo Ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em reunião ministerial sobre “ir passando a boiada” tendo em vista o “momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa”.
“A questão é que os primeiros sinais indicam que o governo federal preferiu usar a pandemia para acelerar ou desviar a atenção de várias regulamentações ambientais. Alguns legisladores recentemente tentaram usar o processo legislativo acelerado implementado para as medidas da Covid para aprovar direitos de propriedade altamente controversos para terras desmatadas ilegalmente”, aponta Renato Braghieri, cientista e pesquisador da National Aeronautics and Space Administration (NASA).
A título de comparação, de acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, emitido pelo MapBiomas, o país perdeu cerca de 1.218.708 hectares (12.187,08 km²) de vegetação nativa entre os meses de janeiro e dezembro de 2019 - o equivalente a oito vezes a cidade de São Paulo. Desses, mais de 60% (770 mil hectares) faziam parte da Amazônia, enquantos os demais se dividiram entre o Cerrado (408,6 mil ha), Pantanal (16,5 mil ha), Caatinga (12,1 mil ha) e Mata Atlântica (10,6 mil ha).

Crédito: MapBiomas e G1/Reprodução
Os índices ficam ainda mais alarmantes quando comparados aos números anteriores à gestão de Bolsonaro, que cresceram em mais de 81% até o último relatório divulgado. Os dados indicam que a média entre os anos de 2016 a 2018 foi de 484.500 hectares (4.845 km²) ao ano. Outro dado importante é de que, segundo o MapBiomas, mais de 99% dos alertas de desmatamento no último período estavam associados a algum tipo de irregularidade, seja falta de autorização legal ou avanço sobre áreas proibidas, como unidades de conservação ou terras indígenas.
Por sua vez, os números continuaram a subir durante a primeira fase da pandemia. Apesar de não ter divulgado, até a publicação desta reportagem, o relatório oficial sobre o desmatamento no último ano, o MapBiomas criou um sistema de alertas instantâneos que mensura a destruição de cada um dos seis biomas brasileiros. Os dados indicam que, apenas durante os meses de março a dezembro de 2020, considerando o início da pandemia, foram emitidos 68.664 alertas em todo o país. Esses, corresponderam a 1.281.310 hectares de área desmatada. No mesmo período do ano anterior, haviam sido 53.646 alertas para 1.119.448 hectares.

Comparativo dos alertas de desmatamento entre os anos de 2019 e 2020. Crédito: MapBiomas e Milena Garcia/Reprodução
Braghieri acrescenta que as consequências desencadeadas pelo desmatamento ilegal ao longo do último ano vão muito além do período de pandemia e podem afetar o desempenho do país em acordos internacionais, além da saúde e bem estar dos brasileiros: “É uma situação bastante complicada a que ocorre no Brasil agora. Há uma contínua reversão de políticas de proteção florestal, que permitem taxas de desmatamento cada vez mais altas no Brasil. Empurrando as emissões da maior fonte de GEE (gases do efeito estufa) do Brasil, que é o desmatamento, revisado para cima, depois de quase uma década inteira de declínio. Isso é um sinal preocupante porque as propostas do Brasil de cumprir com os compromissos acertados no Acordo de Paris e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 parecem que não serão cumpridos se continuarem nessa linha”.
Enquanto isso, Mariana Schuchovski chamou a atenção para a perda de espécies nativas desencadeada pelo crescente desmatamento dos biomas e para a responsabilidade individual por esses efeitos. “O fato próprio que a pandemia originou-se pelo desequilíbrio da natureza, da diversidade e pelo nosso modelo de produção e consumo nos dá uma lição que é quase um tapa na cara, que a gente se dá conta de que há um estrago tão grande nesse equilíbrio tênue que é a natureza. Sempre que a gente fala em biodiversidade, as pessoas pensam no macaquinho, no papagaio da cara roxa, na gralha azul… Mas a gente pensa que a biodiversidade é isso, que é uma espécie que está lá ameaçada e fala ‘poxa, realmente, a gente ameaça a biodiversidade’, mas, na verdade, as pessoas não conseguem ver o que está por trás da eventual extinção de uma espécie. Quando eu falo que a natureza tem esse equilíbrio, é uma teia de interrelações e conexões, onde todas demandam dependência”, explica.
Tendo em vista o cenário brasileiro frente ao desmatamento e as ameaças apontadas pelo pesquisador e pela doutora em Ciências Florestais, as linhas abaixo discorrem sobre os efeitos da pandemia em cada um dos biomas brasileiros durante os meses da pandemia da Covid-19, entre março a dezembro, de acordo com os dados do MapBiomas e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), entre outros relatórios.

Crédito: Pixabay
AMAZÔNIA
O desmatamento da Amazônia entrou em evidência logo no primeiro mês da pandemia e deu o tom de como seria o decorrer do período. De acordo com Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD), do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), responsável por monitorar a região através de satélites, apenas em março de 2020, o desmatamento do bioma já havia crescido em cerca de 279%, comparado ao mesmo período do ano anterior. Os pesquisadores do instituto atribuem tal resultado à forte atuação de grileiros em associação à atividade pecuária e ao garimpo ilegal.
Outra organização encarregada pelo monitoramento da preservação da Amazônia é o INPE, que emite alertas diários através do sistema Deter-B. O instituto mensurou que a área desmatada ao longo de todo o ano foi de 842.600 hectares - a segunda maior marca desde a criação do sistema, em 2015.
Pelas informações do MapBiomas, os números divergiram em alguns hectares dos dados constatados pelo INPE, sendo igual a 829.132 hectares desmatados, reconhecidos através de 55.879 alertas de desmatamento. Em ambos os casos, os resultados deixam o Brasil cerca de 210% acima da meta traçada pela Política Nacional de Mudanças Climáticas de limitar o desmatamento da Amazônia em 392.500 hectares - uma redução de 80% em relação à média entre 1996 e 2005.
Os focos de incêndio, técnica utilizada para a abertura de pastos na agropecuária, também são outro motivo de preocupação na região amazônica, assim como em boa parte dos biomas brasileiros. Em específico, as queimadas cresceram 15% em relação à 2019, que, por sua vez, já havia aumentado em outros 15% quanto a 2018. As informações são do relatório “Passando a Boiada”, emitido pelo Observatório do Clima.
Mudanças no uso de terra da Amazõnia nas últimas décadas, segundo o MapBiomas. Crédito: G1/Reprodução
Os números registrados durante a pandemia e no primeiro ano da gestão de Bolsonaro já falam por si só, mas nunca é demais reforçar a importância da Amazônia para a preservação da biodiversidade e mitigação das mudanças climáticas. A floresta é responsável por absorver até 2 BtCO2 (bilhões de toneladas) da atmosfera ao ano, o que representa cerca de 5% das emissões globais por atividade humana - fator será explorado em maior profundidade no terceiro capítulo desta reportagem.
Outro ponto importante a ser levantado é que o crescimento das taxas de desmatamento no bioma coincidiu com o início da Operação Verde Brasil 2, na qual o Exército Brasileiro foi enviado à floresta, sob o comando do vice-presidente, Hamilton Mourão (PRTB), supostamente, para combater as queimadas e os crimes ambientais.
A justificativa do governo para os resultados alarmantes, mesmo com a presença dos militares na região, foi de que 90% das queimadas estavam em “áreas de pastagem” - disseram Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão. Entretanto, a alegação foi desmentida pelo próprio INPE, ao cruzar dados de queimadas e desmatamento, mostrando que 66% dos focos de incêndio estavam em áreas de desmate recente. Em outro momento, o presidente chegou a dizer que as queimadas são provocadas pelo “caboclo e o índio”.
CERRADO
Um dos biomas mais degradados do país, o Cerrado foi o que apresentou o menor saldo negativo no período analisado. Os 6.549 alertas emitidos em 2019, passaram para 6.662 em 2020. Quanto à área, o número subiu “apenas” em 4% - de 363.437 hectares para 378.107.
Vale destacar a presença de queimadas no bioma, que entre os meses de janeiro e agosto, já havia registrado mais de 21 mil focos de incêndios - a maior destruição já apontada pelo INPE desde o início do monitoramento através do Projeto de Monitoramento do Cerrado (Prodes). Dados mais recentes ainda não foram divulgados pela plataforma.
O desmatamento do Cerrado está diretamente ligado ao desenvolvimento da agropecuária, em destaque para os estados do Mato Grosso, Goiás e Minas Gerais. A monocultura de soja, milho e algodão está entre os responsáveis.
PANTANAL
Os alertas de desmatamento emitidos pelo MapBiomas demonstram cenário pouco alarmante ao Pantanal, em comparação aos outros biomas. Entretanto, não levam em consideração a tragédia das queimadas enfrentadas pelo bioma no último ano. Foram 186 alertas, correspondentes a 23.108 hectares. Em 2019, o número havia sido de 190 alertas e 15.186 hectares de desmatamento - crescimento de 52%.
Enquanto isso, as queimadas retrataram um verdadeiro estado de devastação no Pantanal, com um crescimento de 121% em comparação ao ano anterior, correspondentes a 21.9888 focos de incêndio, segundo o INPE. Dados da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) indicam que nada menos do que 30% do bioma foi destruído pelas chamas, incluindo duas terras indígenas, que perderam 84% de sua área. O número foi o maior registrado na região desde o início do monitoramento, em 1998. Até então, o recorde havia sido em 2005, com 12.536 focos. O resultado dessa destruição à fauna e flora brasileira foi apresentado em reportagem pelo The Intercept Brasil.
Reportagem documental do The Intercept Brasil sobre "A busca pelos animais feridos em meio ao fogo no Pantanal"/Reprodução
As causas para os incêndios divergem entre os discursos de Jair Bolsonaro e Tereza Cristina. Em pronunciamento na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), o Presidente da República atribuiu o desastre ambiental, mais uma vez, à ação dos indígenas, caboclos, ONGs e à imprensa. Enquanto iso, a ministra da Agricultura responsabilizou a retirada de gado da região, alegando que o gado seria “um bombeiro do Pantanal”. Ambas as teses foram refutadas pelo cruzamento de dados do Fakebook.eco, que não encontrou qualquer tipo de relação entre os fatores.
O discurso negacionista do poder executivo não impediu que a Câmara dos Deputados abrisse uma investigação sobre o caso. Em relatório apresentado no início de dezembro, foi constatado que as queimadas no Pantanal foram provocadas por “ações humanas criminosas e condutas estatais, no mínimo, improbas”, esclareceu a Câmara. A Polícia Federal também abriu inquérito a respeito, o qual indicou que os incêndios começaram em quatro fazendas na região e se espalharam pelo bioma - reforçando as suspeitas de ação proposital. Apesar disso, ninguém foi responsabilizado até o momento.
CAATINGA
O número de alertas de desmatamento na Caatinga em 2020 é impressionante e bate recordes, segundo as informações do MapBiomas. Os 471 alertas registrados em 2019, passaram para 3.693 no ano passado. Essa devastação, que antes era de 11.649 hectares, atingiu a marca de 56.007 hectares - crescimento de 380%.
É possível atribuir a destruição da Caatinga à extração de mata nativa, utilizada na produção de lenha e carvão vegetal, além da criação de biocombustíveis e pecuária bovina. Até 2015, 45% do bioma já havia sido degradado, como apontam os últimos dados do INPE - com destaque para os territórios da Bahia, Alagoas, Ceará e Pernambuco.
MATA ATLÂNTICA
A Mata Atlântica é um dos biomas mais devastados da atualidade, com apenas 12,4% da vegetação original restante. Após dois períodos consecutivos de queda, o bioma registrou elevado desmatamento entre 2018-2019 e teve números ainda mais preocupantes em 2020.
De acordo com o Atlas da Mata Atlântica, uma iniciativa do SOS Mata Atlântica em conjunto com o INPE, foram desflorestados, com destaque para Minas Gerais, 14.502 hectares - o que representou 27,2% a mais do que no período anterior (2017-2018). Já durante o ano de pandemia, o MapBiomas registrou 2.691 alertas de desmatamento, correspondentes a 22.185 hectares.
As principais causas associadas a este efeito são a extração de recursos naturais, a produção de carvão vegetal e celulose e a urbanização das áreas litorâneas. Vale pontuar que o bioma ocupa 15% do território nacional e, desde 2006, é protegido pela Lei da Mata Atlântica, que exige a recomposição de áreas desmatadas após 1993 e restringe a abertura de novas áreas.
PAMPA
Em números, o total de alertas de desmatamento, assim como a área desmatada nos pampas gaúchos, é o menor entre os biomas. Entretanto, em análise aprofundada, representa pouco menos do que o dobro do registrado no mesmo período do ano passado. Foram 91 alertas, contra os 47 do ano passado - isto é 93% a mais. Em extensão, os registros do MapBiomas apontam 1.168 hectares versus 519 hectares. Também foi registrado um forte aumento das queimadas, segundo o INPE, sendo 16% maior que no ano anterior, totalizando 1.647 focos.
Os dados mais recentes do INPE indicam que, em 2016, 43,7% da vegetação nativa estava desmatada. As principais causas atribuídas ao desmatamento dos pampas são o plantio de soja, arroz e ocupação urbana.
PECUÁRIA
Não dá para falar sobre desmatamento no Brasil sem mencionar a atuação da pecuária nos impactos ao meio ambiente. Dados do MapBiomas indicam que o setor é responsável por 80% das áreas desmatadas no país, entre pastagens e plantação de grãos para a alimentação de gado. Apenas na Amazônia, a estimativa é de que a cada 10 hectares desmatados, seis são transformados em pasto. Dos demais, um é utilizado para a agricultura, urbanização e mineração e os outros três são abandonados.
Já o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) calcula que, em 2019, existiam cerca de 213,5 milhões de cabeças de gado no país. O valor é maior, até mesmo, que a população brasileira, com 210,1 milhões de pessoas. Além do desmatamento, a pecuária também é responsável por aumentar as emissões de GEE, elevado consumo de água e grande geração de resíduos.

Crédito: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Reprodução
O cenário de crescimento não foi diferente em 2020, mesmo com a crise econômica gerada pela pandemia. De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP) cresceu 13,14% em comparação ao ano anterior. Em valores, a arrecadação atingiu R$ 848,6 bilhões - sendo R$ 572,27 bilhões referentes às plantações e R$ 276,32 bilhões à criação de animais.
Em contraponto ao efeito negativo provocado pela pecuária, as tendências ao vegetarianismo e ao veganismo também cresceram durante a pandemia. A pesquisa ‘O Consumidor Brasileiro e o Mercado Plant-Based’, realizada em 2020 pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) demonstrou que 50% da população está disposta a substituir o consumo de proteína animal por alternativas vegetais - que exigem muito menos espaço de terra, ou seja, menos desmatamento, do que a criação de gado.
O estudo classifica que a preocupação com a saúde cresceu em meio à crise do coronavírus, o que levou as pessoas a buscarem escolhas alimentares mais saudáveis e conscientes. Em 2019, o número de adeptos ao chamado “flexitarianismo” era de 29%.
PASSANDO A BOIADA
Jair Bolsonaro e Ricardo Salles foram dois nomes determinantes na discussão sobre os impactos ambientais que atingiram as florestas brasileiras na pandemia. De um lado, temos o Presidente da República em pleno descaso quanto à adoção de medidas em benefício à população brasileira durante a crise, quem dirá à preservação ambiental. Do outro, o ministro do Meio Ambiente deixando claro suas intenções de se apoiar no caos sanitário para a promoção do desmonte ambiental através de mudanças infralegais, como sinalizado pelo mesmo em ocasião onde profere a frase que dá nome a este trecho da grande reportagem.
A reunião ministerial de 22 de abril foi um dos marcos da política brasileira em 2020 no que se refere à gestão ambiental e outros temas. Em gravação tornada pública por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Salles declarou a seguinte frase: “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos neste momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só [se] fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. Do IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], do Ministério da Agricultura, do Ministério de Meio Ambiente, do Ministério disso, do Ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação, é de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos”.
O resultado dessas motivações foi sentido não apenas no crescente desmatamento dos biomas, como demonstrado acima, mas também nas 593 canetadas do governo federal relacionadas ao meio ambiente dadas no último ano. Dessas, 57 determinavam reformas institucionais, 32 eram revisões de regulamentos, 32 promoviam flexibilização, 19 desregulação e 10 eram revogações - colocando em xeque a governança ambiental construída desde a Constituição de 1988.
“Na verdade, o ministro Ricardo Salles trabalha para ‘passar a boiada’ desde o início de sua gestão, em janeiro de 2019. E isso muito antes da pandemia. Apesar de ministro do Meio Ambiente, Salles luta contra o meio ambiente, e isso não faz o menor sentido. É uma atuação em sentido contrário. Suas ações agradam o mercado imobiliário, o agronegócio, especuladores. A conduta vem sendo desastrosa”, criticou Rodrigo Agostinho, deputado federal e ambientalista.
Na prática, a falta de fiscalização das florestas se refletiu na priorização dos interesses governamentais sobre a preservação do meio ambiente, promovendo a fragilização das leis e órgãos regulatórios, enfraquecimento de multas e incentivos ao extrativismo nas florestas brasileiras - como detalha o relatório “Passando a Boiada”. Além disso, povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos também foram prejudicados pelo descaso e crescente exploração da biodiversidade.
“Desde que assumiu a pasta tentou mudar o entendimento de normas, como a da Lei da Mata Atlântica, transferiu poderes do ministério, dificultou a aplicação de multas, trabalhou pela revogação de resoluções que tratavam de diferentes áreas da política ambiental do país, como as que restringiam o desmatamento e ocupação em áreas de restinga, dunas e manguezais. Também promoveu mudanças no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), exonerou fiscais do Ibama depois da realização de operações bem sucedidas contra garimpeiros ilegais em terras indígenas, promoveu a desestruturação das políticas ambientais. Vimos a Medida Provisória 910/10, sobre regularização fundiária, que era uma licença para o desmatamento não ser votada. Foi difícil”, detalhou Agostinho.
O primeiro exemplo sobre a passagem da “boiada” em 2020 não pode ser outro se não a terceirização da proteção da Amazônia ao Exército Brasileiro, sob o nome de Operação Verde Brasil 2, mencionada anteriormente. A decisão veio das sucessivas demonstrações da incapacidade do Ministério do Meio Ambiente em cuidar das políticas para a floresta, que levou à titulação do vice-presidente da República Hamilton Mourão (PRTB) como coordenador do Conselho Nacional da Amazônia Legal. Ao seu lado, outros 19 militares, nenhum representante dos povos indígenas, nenhum membro do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ou mesmo nenhum representante da academia ou dos governos estaduais.
As consequências foram apresentadas no início desta reportagem, incluindo elevadas taxas de desmatamento e o aumento das queimadas. Uma das promessas de Mourão foi a reativação do Fundo Amazônia, porém a mesma não foi concretizada em 2020. Ao final do ano, ainda veio a proposta do governo sobre o controle das ONGs ambientais que visam a proteção do bioma a fim de permitir a atuação apenas as que estiverem “alinhadas com o interesse nacional”.
As nomeações de militares e ruralistas a diversos órgãos de proteção ambiental, como o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ao longo do último ano, também chamou a atenção à pauta. A mudança é um exemplo de reforma infralegal mencionada por Salles, já que não precisou passar pelo poder legislativo para ser aprovada.
Outro ponto importante a ser exemplificado é a queda em 20% das multas aplicadas pelo Ibama, sob o comando de Eduardo Bim, em relação ao ano anterior. Os dados do instituto apontam que foram aplicados 9.516 autos de infração em todo o país. A título de comparação, entre os anos de 2013 e 2017, governos Dilma e Temer, a média anual de multas era de 16 mil autuações, ou seja, 40% a mais. Para completar, também foi registrada queda de 88% no número de julgamentos de processos por crimes ambientais na comparação com 2019.

Crédito: Sistema Integrado de Planejamento de Orçamento (SIOP) e Observatório do Clima/Reprodução
Houve também a autorização da regulação de propriedades rurais em terras indígenas, permitindo a invasão, exploração e comercialização de territórios não homologados. Além disso, Jair Bolsonaro transferiu o poder para realizar concessões em florestas públicas do Ministério do Meio Ambiente para o Ministério da Agricultura, de Tereza Cristina.
Ainda em benefício do agronegócio, foi autorizada a diminuição da distância entre áreas habitadas e aquelas em que ocorrem a pulverização de agrotóxicos - prática proibida na Europa e responsável pela contaminação de populações rurais, indígenas e quilombolas.
Por fim, mas não menos importante, a restrição ao acesso a informações relacionadas ao meio ambiente pela imprensa, através do Ibama e o ICMBio, também foi um dos marcos do governo durante a pandemia. Em 2019, os órgãos foram desautorizados a se comunicar diretamente com a mídia e, com isso, menos da metade dos pedidos dos jornalistas foram atendidos. Em março de 2020, o presidente também suspendeu os prazos de respostas via Lei de Acesso à Informação (LAI), entretanto, a medida provisória foi contestada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O desmonte das estruturas de proteção socioambiental colocado em prática por Bolsonaro e Salles durante a pandemia trouxe graves consequências às florestas, como demonstrado ao longo desta reportagem, entretanto, não foi uma surpresa dadas as falas de ambos em todo o mandato. Em 2018, o presidente já havia deixado claro as suas intenções em “acabar com o ativismo ambiental e fechar o Ministério do Meio Ambiente”. A boiada realmente passou no último ano, agravando os impactos negativos ao meio ambiente durante o período.
“Antes, durante e certamente após a pandemia, as posturas do ministro sempre foram e serão criticadas porque elas evidenciam, claramente, compromisso com grandes interesses. Ele tem buscado, como bem declarou na fatídica reunião de abril de 2020, ‘fazer passar a boiada’, afrontando a legislação ambiental para favorecer empresas e grupos hegemônicos”, finaliza Wilson da Costa Bueno, jornalista especializado em meio ambiente e militante da causa ambiental.