
PRÓXIMOS PASSOS
Um questionamento que se faz cada vez mais presente no mundo é como alinhar a economia com a preservação do meio ambiente e parece que uma resposta definitiva ainda não foi encontrada. A necessidade em reduzir emissões de gases do efeito estufa (GEE) e dejetos jogados em oceanos e mananciais, por exemplo, é uma questão não apenas no Brasil, mas em todo o globo e foi evidenciada durante a crise do coronavírus, como demonstrado nas outras reportagens desta série.
Diversos tratados e acordos foram debatidos e assinados desde 1992, quando ocorreu a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (COP). Entre esses tratados, estava o Protocolo de Quioto (1997), que visava a redução das emissões de GEE. Nos últimos anos - e mais atualizados - houve o Acordo de Paris (2016), o mais importante tratado do clima, e a Agenda 2030 (2015), uma ação da Organização das Nações Unidas (ONU) em que estabelece ações necessárias para o desenvolvimento sustentável do planeta até 2030.

Crédito: Pixabay
ACORDO DE PARIS
O Acordo de Paris visa limitar o aumento da temperatura global em até 2ºC, em relação à temperatura pré-industrial. Em uma perspectiva inicial e ainda mais conservadora, a temperatura não poderia exceder 1,5ºC. Essas expectativas existem partindo de uma certeza: o planeta ficará mais quente.
O que pode ser feito é justamente tentar conter esses efeitos, mas não é bem isso que os países estão fazendo. O Brasil assinou e assumiu compromissos com as diretrizes do Acordo de Paris, mas, além de não cumpri-los, está cada vez mais distante. Atualmente, de acordo com o Climate Action Tracker (CAT), uma análise científica independente que acompanha ações climáticas de governos, o Brasil segue medidas insuficientes para chegar ao proposto e assinado no Acordo de Paris. Hoje, o país está caminhando para manter o aumento da temperatura em 3ºC.

Crédito: Climate Action Tracker Map/Reprodução
Para Rodrigo Agostinho, estamos no caminho errado ao que foi acordado. “Infelizmente, estamos muito distantes de cumprir com o que foi acordado em Paris e com os objetivos da Agenda 2030, assim como foi com a Agenda 21 (documento assinado por 179 países na COP ou ECO-92). Para que isso ocorra, se faz necessário um amplo debate que deve ocorrer desde as pequenas localidades, metas precisam ser alcançadas e ações colocadas em prática. Tudo isso feito com um pensamento global e o compromisso político de buscar aliar o desenvolvimento econômico com a cooperação ambiental e social”, afirma o deputado.
Consonante ao pensamento do deputado, está o cientista, pesquisador e PhD da NASA, Renato Braghieri. Com o desmatamento crescente da Amazônia e a falta de políticas ambientais que restrinjam suas perdas, há ainda mais com o que se preocupar, pois a Amazônia é um grande container de CO2 e é responsável por retirar e armazenar esse gás em suas árvores e no próprio solo.
“Há uma contínua reversão de políticas de proteção florestal, que permitem taxas de desmatamento cada vez mais altas no Brasil, empurrando as emissões da maior fonte de GEE do país, que é o desmatamento, para cima depois de quase uma década inteira de declínio. Isso é um sinal preocupante porque as propostas do Brasil de cumprir com os compromissos acertados no Acordo de Paris e zerar o desmatamento ilegal na Amazônia até 2030 parecem que não serão cumpridas se continuarem nessa linha”, relata o cientista.
Problema este que parecia ser passado, dadas as drásticas quedas no desmatamento na última década. Algo a ser levado em consideração, já que o Brasil chegou a ser modelo no combate ao aquecimento global, especialmente no fim da década de 2000, quando nasceu a Lei de Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC), criada para estabelecer princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos e alinhava ao combate ao efeito estufa. Envolvido na criação da Política de Mudanças do Clima (Lei 14.933/09) - e criador do projeto de outra (PL 755/2017) - na cidade de São Paulo, o ex-vereador e médico Gilberto Natalini relata a importância desse tipo de atitude do governo.
“[A lei] deu vários passos na questão da matriz energética, aproveitamento de biogás, do lixo, criação da eco frota de ônibus, operação defesa das águas, operação córrego limpo e criação do comitê municipal de eco economia”, conta Natalini. Essas atitudes estariam diretamente ligadas ao Acordo de Paris, como promover o desenvolvimento e a transferência de tecnologia e a capacitação para adaptação às mudanças climáticas, antes da criação do mesmo.
Para atingir as metas de redução de 37% dos GEE em 2025 e de 43% em 2030, ambas em relação ao nível de 2005, o Brasil precisaria passar por alterações no seu relacionamento atual com o meio ambiente. Necessidade essa para levar o país de volta aos trilhos do desenvolvimento sustentável e para mais longe do consumo desenfreado de recursos naturais, especialmente os não renováveis.
AGENDA 2030
A ONU, em 2015, lançou um plano de ações para as pessoas, o planeta e a prosperidade. Foram 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos e divididos em 169 metas para erradicar a pobreza e promover a vida digna a todos. Como consequência dessas metas, não apenas as pessoas teriam melhorias, mas o meio ambiente também. Trata-se de uma colaboração universal, um plano entre governos, sociedade, empresas, academia e o cidadão comum.
Entre os 17 ODS estão metas ligadas à erradicação da pobreza, saúde e bem-estar, água potável e saneamento e outros temas ligados diretamente a esta reportagem, como Energia Acessível e Limpa; Indústria, Inovação e Infraestrutura; Consumo e Produção Responsáveis; Ação Contra a Mudança Global do Clima; Vida na Água; Vida Terrestre. Para conhecer mais sobre cada uma, basta acessar o site da Agenda 2030.

Crédito: Agenda 2030/Reprodução
“O setor de vestimenta é responsável por 3% das emissões mundiais de CO2. As pessoas, ao invés de comprar calça jeans todo ano, poderiam reciclar roupa. Fazer doações, comprar roupas usadas em brechó, que vão diminuir seu carbon footprint (pegada de carbono, ou seja,o que é potencialmente deixado por cada empresa ou ser humano na atmosfera)”, explica Renato Braghieri. Essa dica do PhD da NASA está incluída no item 12.8 da Agenda 2030, que aborda a conscientização sobre desenvolvimento sustentável. Outro método para ajudar o planeta poderia ser um consumo mais consciente de alimentos.
“Quando você reduz o consumo de proteína animal pela metade, você pode cortar o carbon footprint em mais de 40%. O fato de você comer carne também contribui para o aquecimento global. Você não precisa se tornar vegetariano ou vegano para fazer uma diferença. Você pode reduzir gradualmente o consumo de carne e laticínios”, completa Braghieri. Além disso, atitudes como essas poderiam ser essenciais para frear o desmatamento e mudar o modelo da geração de lixo atual.
Mariana Schuchovski aponta para como o estilo de vida atual exerce função primordial nos problemas do planeta. “O fato da pandemia ter questionado o nosso modelo de consumo pela mudança de clima e também discussões relacionadas à sociedade de produção e consumo, percebemos que precisamos rever muito a relação com o meio ambiente e as nossas tendências com os produtos ou serviços da natureza, como os recursos naturais”, relata.
Não obstante do consumo, muitas políticas públicas poderiam ser adotadas. O acesso à cidade e a diminuição nas distâncias podem ser primordiais para atingir as cidades e comunidades sustentáveis. Mesmo com o Brasil não estando dentro dos padrões de consumo de países desenvolvidos, devido à pobreza, algumas ações poderiam entrar em curso. O Engenheiro e pesquisador do Instituto de de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Felipe Barcellos tem a seguinte opinião sobre:
“Para chegarmos em um país mais justo e igualitário, será importante democratizar a energia”, explica. “Evitar deslocamentos, promovendo adensamento e boa distribuição da população, para que as pessoas não tenham que percorrer grandes distâncias. Em São Paulo, não é ideal que na Zona Sul tenha um grande bolsão de população sendo que não tem emprego. Uma cidade onde as oportunidades estão mais bem distribuídas é uma maneira dela ser mais justa e as pessoas terem mais acesso à cidade”, continua Barcellos.
Além disso, os transportes vão exercer função importante nesse processo. Não apenas para uma cidade mais acessível, mas também para que se torne mais sustentável, colaborando de várias formas com os ODS. “É necessário mudar do transporte individual de passageiros para o transporte coletivo e melhorar as tecnologias, ter ônibus elétrico ou combustíveis mais limpos”, completa Felipe.
HOJE E ADIANTE
A crise desencadeada pela Covid-19 tem muito a ensinar e a alertar o povo brasileiro e do mundo. É iminente o colapso ambiental e o período de isolamento social demonstrou a necessidade de reflexão quanto às práticas de consumo e relação com o meio ambiente. No Brasil, muito precisa mudar para voltar aos eixos e evitar que ocorram ainda mais problemas.
“Estamos vivendo um momento muito triste e difícil para a questão ambiental do Brasil e isso reflete no país todo, inclusive nos estados e municípios. O Brasil entrou em um retrocesso na caminhada para a sustentabilidade”, revela Gilberto Natalini.
Não é coincidência. Esse cenário atinge o país desde 2016, quando as políticas do país mudaram. Em 2018, alinhou-se ao governo americano de Donald Trump e a devastação da Amazônia ganhou força. Com a eleição de Joe Biden, a esperança é por um novo momento.
"O governo Bolsonaro se isola nesse cenário de agora e o governo Biden tem uma frente ampla de proteção e medidas para barrar e limitar as mudanças climáticas. Isolado no cenário internacional fica mais fácil de fazer pressão internacionalmente e internamente no Brasil para a proteção da Amazônia”, pontua Braghieri.
Além de medidas protetivas por causa de mudanças climáticas e o desmatamento, há a preocupação com o aparecimento de novas doenças, que têm ocorrido com cada vez mais frequência devido à relação do homem com o meio ambiente. O próprio coronavírus é uma imagem da associação do ser humano com o desequilíbrio ecológico, como já mencionado.
Mesmo com tantos problemas causados pelo novo coronavírus que rompem a barreira sanitária e adentram a questão ambiental, a paralisação das atividades comerciais e sociais possibilita um recomeço com um novo olhar para a sustentabilidade. “É importante que a gente possa sair daqui, deste lugar de pandemia, para um lugar melhor e mais equilibrado. Que possamos ter um pouco mais de qualidade de vida como um todo. Não só pensando nas pessoas, mas em todos os seres desse planeta. Precisamos olhar com um pouquinho mais de atenção, cuidado e harmonia para todas elas”, finaliza Mariana.